terça-feira, 3 de junho de 2014

O conceito de texto escrito







O CONCEITO DE TEXTO ESCRITO NA VISÃO DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Eloiza Pinheiro¹
Osmar de Souza, Dr²


Resumo: O artigo resulta de uma pesquisa realizada em escola pública, no segundo semestre de 2003, na região de Itajaí (SC). Envolveu 12 alunos do ensino fundamental, oitava série. Formularam-se duas perguntas: o que significava texto para o aluno e o que significava escrever na escola. Partiu-se de uma concepção de que o texto escrito manifesta sempre um significado, por mais simples que seja. Outra percepção teórica vem de que escrever produz conhecimento, ou seja, os conhecimentos prévios podem ser importantes e decisivos, mas o simples fato de alguém escrever o expõe ao diálogo com o outro. Isso cria um embate cujo resultado é um olhar a própria textualidade reflexivamente. O aluno, orientado por uma cultura de sala de aula repetitiva, não consegue nem formular um sentido de texto para ele e nem vê sentido em escrever na escola.

Palavras-claves: Texto; conceito; alunos; ensino fundamental.


Resumen: El artículo resulta de una investigación realizada en escuela pública, en el segundo semestre de 2003, en la región de Itajaí (SC). Envolvió 12 alumnos de la enseñanza fundamental, octava serie. Se formularan dos preguntas: lo que significa texto para el alumno y lo que significa escribir en la escuela. Partimos de una concepción de que el texto escrito manifesta siempre un significado, por más simples que sea. Otra percepción teórica viene de que escribir produce conocimientos, o sea, los conocimientos prévios pueden ser importantes y decisivos, pero el simple acto de alguién escribir lo expone al diálogo con el otro. Eso crea un choque cujo resultado es mirar la própria textualidad. El resultado de la investigación está dirigida nun sentido diferente. El alumno, orientado por una cultura de clase de enseñanza repetitiva, no consigue ni formular un sentido de texto para él, y, ni encontrar un sentido en escribir en la escuela.

Palabras-llaves: Texto; concepto; alumnos; enseñanza fundamental.

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¹ Acadêmica do Curso de Letras da Universidade do Vale do Itajaí.
² Orientador e Professor do Curso de Letras da Universidade do Vale do Itajaí.


Introdução



A composição de um texto é um processo amplo. Para sua produção, é necessário não somente a competência, mas também o desempenho do aluno na sala de aula. Partindo dos conceitos de Noam Chomsky, é possível entender que competência todos têm, já o desempenho parte do uso efetivo da língua. (Cassany, 1999) O escritor competente é aquele que incorpora o processo de escrita e o desenvolve de maneira contínua e o “não competente”, no deslocamento a ser descrito nesta pesquisa, é aquele que não descobriu ainda a sua textualidade.

Escrever não é pôr três letras e signos num papel branco, mas elaborar um significado global sobre um tema e torná-lo compreensível para uma audiência. Este é um primeiro problema conceitual e procedimental: para quem o aluno escreve na escola? Algumas respostas na pesquisa de que resulta este artigo apontam reflexões. Para se obter uma melhor qualidade do processo de escrever, é necessário que haja consciência da audiência, (quem vai ser o leitor de fato).

Ao chegar na escola, nas fases iniciais, a criança já descreve coisas, pessoas, contos, fatos, opina sobre acontecimentos do seu cotidiano como: um jogo de futebol, sobre a novela das oito, entre outros... Ou seja, o aluno possui implicitamente um conceito de texto, oral, com algumas características. Um dos desafios da escola seria transformar as experiências orais em expressões escritas. Isso significa que o aluno passa de expressões mais espontâneas a outras mais elaboradas, estratégicas. Uma delas é o texto escrito, mas este movimento ainda não é percebido nesta pesquisa.

Há pouco tempo o texto na escola era pretexto para a correção gramatical. Hoje se altera esta percepção para o texto como expressão de conhecimentos vividos pelos alunos. A hipótese que orienta esta nova perspectiva é a de que o aluno, tendo contato com vários tipos de textos reais, histórias, notícias, bulas, receitas, cartas, entre outros, aos poucos incorpore também os aspectos gramaticais. Mas, como diz um aluno o escrever pode ser apenas “perda de tempo”.

A pesquisa foi desenvolvida numa escola pública, com doze alunos do ensino fundamental em nível de oitava série. O instrumento foi uma entrevista escrita, em que se perguntou aos alunos: “O que é um texto para você?” e “O que significa para você escrever textos na escola?”.

Os objetivos específicos desta pesquisa foram: identificar conceitos que se aproximam de construção de significados em oposição aos que se aproximam de tarefa escola e relacionar os conceitos dos alunos com a literatura pesquisada. Como objetivo geral visou-se compreender a concepção de texto em alunos de oitava série de uma escola pública.

Assim, este artigo sumariza a pesquisa desenvolvida e discute as implicações de manifestações feitas pelos alunos, relativamente ao processo pedagógico de escrever.




REVISÃO DA LITERATURA



Neste momento, faremos uma breve sumarização sobre texto e o que significa escrever na escola. Temos consciência de que um conceito demora para ser percebido, vivenciado, manifestado.  Talvez muitos sujeitos passaram pela escola, em todos os níveis, e ainda não tenham clareza do que seja um texto. Consequentemente, o escrever torna-se complexo, não só pela sua própria natureza, mas pela não vivência do texto como instância de produção de conhecimento. (Souza, 2003)

Para Silva (1999, p.18) Texto significa “tecido, entrelaçamento”. Por isso, podemos dizer que o texto é o resultado da ação de tecer, de entrelaçar partes a fim de formar um todo. É uma rede de unidades entrelaçadas, ou seja, um conjunto de frases e orações que se unem para dar sentido às idéias que se deseja expressar. Nessa perspectiva, texto é muito mais que justaposição de frases e palavras.

É curioso, como veremos adiante nas expressões dos alunos, como o conceito até aparece na expressão na expressão do aluno, possivelmente parafraseado de algum professor. Mas, não se manifesta em sua própria experiência. É um conceito distante do aluno.

Ainda de acordo com o mesmo autor, toda construção cultural que tem significado constituído a partir de um sistema de códigos e convenções pode ser chamada de “texto”; uma carta, uma notícia de jornal, um bilhete de cinema, são exemplos de textos. O autor está se referindo ao que hoje se chama “gêneros textuais”. (Meurer, 2000)

“O texto já se revela “finito”, por uma extensão física, visual e oral, conforme seja escrito ou oral. Enquanto materialidade física o texto se coloca como “produto”, com a sua “legibilidade”, “audiabilidade”, instaurada”. (Orlandi, 1988, citada por Souza, 2000, p.2). Como discurso, o texto se inscreve na interpretabilidade e compreensibilidade. (cf Orlandi, op. cit.). Em outros termos, quem escreve um texto tenta determinados “feitos de sentido”. (SOUZA, 2000, p. 2). O que a pesquisa mostra é a ausência de sentidos.

Para Clarice Nunes, citada por Bianchetti, (1997, p. 96), “escrever [...] é mais do que realizar uma exposição de achados. É o efeito de uma transformação pela qual passamos, enquanto sujeitos que nos assumimos e assumimos os riscos pressentidos na escrita”. “Escrever é o ato que, aparentemente, não pode ser realizado sem significar”. “[...] antes de ser o exercício de uma competência, o ato de escrever é uma maneira de ocupar o sensível e de dar sentido a essa ocupação”. (RANCIÉRE, 1995, p.07) Entra em discussão aqui o aspecto mais político, social do escrever, que parece distante, pelo menos na expressão dos alunos aqui pesquisados.



Conforme Bianchetti, (1997, p. 97) “[...] na escrita, o produtor do texto deve fazer uso de planejamento, de produção e de uma série complexa de relações lógicas que articulam os elementos do seu discurso. E deve, ainda, levar em conta que seu texto deverá ser entendido por um leitor”. Esse entendimento é chamado por Cassany, (1999) de audiência.

De acordo com Cassany, (1999, p. 28) “quando falamos ou escrevemos, (e também quando escutamos ou lemos), construímos textos e, para fazê-lo, precisamos dominar muitas habilidades: discriminar as informações relevantes das irrelevantes, estruturá-las numa ordem cronológica e compreensível, escolher as palavras adequadas, ligar as frases em si e construir o parágrafo”. “[...] o que pode corrigir o mal da escrita é uma outra escrita”. (RANCIÉRE, 1995, p. 10)

Atravessando esse conjunto de predicados de um texto, aparece a noção de intersubjetividade que caracteriza qualquer texto. Um texto só se realiza se houver o leitor, isso implica um diálogo entre sujeitos, temporal e espacialmente deslocados. Esse lado mais dialógico do escrever na escola parece estranho no falar dos alunos.

A habilidade de escrever conforme Souza e Bohn, (2000) não é desenvolvida espontaneamente pelo cérebro. Postula-se que exige esforço e motivação pessoal e ambiente instrucional próprio para constituir-se.

Aprender a escrever para Coll e Teberosky, (2000, p. 165) é um processo de fases sucessivas que inclui atividades de leitura, de pesquisa e anotações do que se leu, ouviu ou pensou, assim como a realização de esquemas ou mapas conceituais para organizar as idéias, a redação de várias versões e sua revisão até chegar a uma versão definitiva. No processo de redação de textos, essas fases nem sempre seguem uma ordem rígida e, às vezes, algumas podem até mesmo ser suprimidas. Ao escrever a partir das informações que já tínhamos sobre o tema, essas anotações podem ser modificadas dando lugar a uma nova organização das idéias, exigindo outra pesquisa.


Todo texto se atualiza numa língua, entendida desde Saussure como um sistema de signos específicos, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres a significar o mundo e a sociedade. (SOUZA, 2000)

Poderíamos nos perguntar, como por exemplo Teberosky o faz, apoiada em Coulmas: o que poderia existir num mundo sem escrita? Nenhum dos traços mais cotidianos da nossa sociedade moderna poderia passar por esse teste: teríamos de imaginar um mundo sem livros, sem livrarias nem bibliotecas, sem anúncios, sem receitas médicas, sem educação sistemática, sem dicionários ou enciclopédias, sem instruções de rádios, de computadores, um tipo de religião diferente, um tipo diferente de leis, de literatura, sem ciência e sem lingüística. ( TEBEROSKY, 1995, p. 55)

Segundo Silva, (1999, p. 22) um pensamento que traduz uma grande verdade é: “os alunos aprendem a escrever escrevendo”. “[...] pois, escrever é um processo de construção e reconstrução de sentidos em relação ao que se v}e, ao que se ouve, sente e pensa. Por isso, é muito difícil para o aluno escrever sobre um assunto sobre o qual ele não fez nenhuma leitura. Portanto, quanto maiores experiências de leitura a criança tiver, mais fácil será o processo de criação textual”. ( SILVA, 1999, p; 45)

De acordo com Cassany, (1999, p. 80) só se pode adquirir a escrita através da leitura. Da mesma forma que adquirimos a fala escutando e compreendendo textos escritos. Se a leitura é suficiente, a aprendizagem adquire automaticamente todas as regras gramaticais e textuais de que se necessita para escrever. Pois, a resposta de Smith é muito simples: “aprende dos todos já escritos por outros escritores”.

Mas, para que os alunos escrevam, eles precisam estar motivados. É necessário que o professor esteja atento a todos os elementos que possam estar interferindo no processo de produção de textos, como desde o espaço físico, os recursos materiais utilizados até a predisposição do aluno para a realização da tarefa. (SILVA, 1999, p. 46)

Vários autores citados por Teberosky chamam a escrita de “a maior invenção manual intelectual criada pelo homem”. Um deles, Goody, a chama de “a tecnologia do intelecto”. [...] Também existe um consenso na idéia de que a escrita é um instrumento. (TEBEROSKY, 1995, P. 55)

[...] A escrita é um objeto social cuja presença e funções ultrapassam o marco escolar e porque a criança é um sujeito ativo e construtivo do seu próprio conhecimento. (TEBEROSKKY, 1995, p. 65)

Apesar dessas percepções teóricas há muito presentes nos debates acadêmicos, ocorre ainda uma cultura de sala de aula, no que respeita à textualidade bastante estranha, como veremos a seguir.




O QUE DIZEM OS ALUNOS




Lembramos ao leitor que duas questões foram feitas: “Qual o significado de um texto para você?”, “O significa para você escrever na escola?” Sobre a primeira pergunta, maioria dos alunos definem o que é um texto,
Um texto não é nada mais do que um amontoado de palavras que foram escritas em harmonia, formando um sentido próprio, por isso podemos afirmar que o texto é a forma escrita de se expor os pensamentos e os sentimentos. (CALAFATI, Jocimar) Se olharmos para esta resposta, ela é uma paráfrase de autores como Silva, citado anteriormente. De onde vem esta formulação? Provavelmente de um professor.

E a minoria respondeu que escrevem para a professora,


[...] quando a professora pede para elaborar um texto, uma redação ou uma poesia temos que se inspirar no assunto. (OLIVEIRA, Edilcéia) O atributo de inspiração vem rebatido por Cassany (1999), embora seja de circulação entre os alunos. Estabelece-se como uma crença, cujas explicações escapam ao controle do professor. Cassany prefere o entendimento de que a pessoa assuma a textualidade, o que escapa ao controle temporal que muitas vezes marca o escrever na escola. Solicita-se um texto e fixa-se o tempo de realização. E nesse processo onde fica a re-escrita?
Escrever nesta última proposição vem muito como resposta a um comando estabelecido. O que significa mesmo para este aluno “se inspirar no assunto?”  Por que não se orientar no próprio texto? O que o texto mesmo disse? O leito entenderia?


Sobre a segunda pergunta, as respostas apontam para: repetir o que a professora explica (a explicação do professor é vista como verdade),
[...] porque o texto escolar ensina a matéria explicada pelo professor e quando ele escreve no quadro é a mais boa vontade de lhe explicar uma certa matéria que você está com dificuldade. ( CALAFATI, Jocimar) Esta última afirmação remete a uma certa ambigüidade, porque tanto diz do ato de escrever como do ato de ensinar. Essa fala corrobora com o pensamento de Orlandi (1988) sobre o discurso pedagógico, como circular, ou seja, essencialmente repetitivo.

Escrever na escola significa produzir conhecimentos, preencher espaços de tempo,
Super bom escrever textos na escola uma que distrai um pouco a cabeça, outra é aprender mais e passar o tempo escrevendo. (OLIVEIRA, Lays) Depoimento preocupante, se pensarmos no que significa um tempo de ações dentro e fora da escola. Como as pessoas ocupam o seu tempo? Reservariam tempo para escrever também fora da escola, ou este preenchimento é algo já institucionalizado?

E um aluno que ainda não se descobriu com a textualidade declara a sua angústia,

Texto para mim não significa nada, só faz perder tempo (GIOSELE, Everton) Este aluno manifesta o seu “não sentido”. E quantos na escola revelariam semelhante expressão?

Embora se possa problematizar e complexificar essas respostas, talvez elas cheguem próximo do que Coracini (1995) tem chamado de atividades institucionalizadas. Faz-se porque já se fez, mas não se pergunta por quê? Para quem? Em geral, aponta-se para um escrever sem audiência.




Considerações Finais



Lembramos que o primeiro objetivo específico da pesquisa era identificar conceitos de textos que se aproximassem da construção de significados. Mas, as falas apontam para o oposto, escrever é muito mais atividade escolar, que parece encerrar-se na própria escola.

Sobre o segundo objetivo específico, ou seja, relacionar os conceitos com a literatura hoje disponível, os alunos até constroem um conceito, parafraseando professores, mas ficam distante desses conceitos relativamente às suas próprias vivências.

As falas dão conta do objetivo geral, qual seja compreender a concepção de texto, no caso, muito mais voltada à escola do que para a significação de suas práticas sociais.

O saber expor os pensamentos em palavras escritas é o grande dilema ainda para os alunos. Quando se fala em texto para o aluno, ele já pensa em redações chatas, com assuntos repetitivos e sem significado algum para o seu crescimento pessoal e intelectual.

Há uma distância entre o que a vida social exige, em termos de textualidade e o que o aluno incorpora durante a sua vida escolar.

Para os alunos pesquisados, escrever na escola não é mais do que preencher espaços e o tempo durante as aulas. Poderíamos deduzir, então, que o texto não é um formador de significado para o aluno e sim palavras e mais palavras escritas para ganhar nota e passar tempo com essa atividade.

O texto pouco significa para o aluno. Uma nova pesquisa poderá questionar o que significa para o aluno o texto fora da escola.



Referências Bibliográficas


BIANCHETTI, Lucídio. Trama e texto: Leitura e crítica escrita criativa - Gráfica Edelbra; Volume II. Passo Fundo – Rio Grande do Sul, 1997. 222 p.

CASSANY, Daniel. Descrever o Escrever: como se aprende a escrever/ Daniel Cassany; traduzido por Osmar de Souza. – Itajaí: Univali, 1999. 220 p.

COLL, César. Aprendendo português: conteúdos essenciais para o ensino fundamental de 1ª a 4ª série. César Coll, Ana Teberosky. Ática, São Paulo. 2000.

CORACINI, Maria José. Legitimação do livro didático. Campinas: Pontes 1995.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. São Paulo: Ática, 1988.

RANCIÉRE, Jacques. Políticas da escrita/ Jacques Ranciére; tradução de Raquel Ramalhete... [et al] – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. P.256- Coleção TRANS.

SILVA, Antônio de Siqueira e. Tecendo textos: ensino da língua portuguesa através de projetos/ A. S. Silva, R. Bertolin, Tânia A. Oliveira. 1ed. São Paulo: IBEP, 1999 – Coleção Novo Tempo.

SOUZA, Osmar de. BOHN, Hilário I. A auto análise integrante do Mundo Textual. 2000.

SOUZA, Osmar de. Gêneros textuais e competências educativas. 2000. (Mimeo)

SOUZA, Osmar de. Textualização acadêmica: mitos e polifonias. Itajaí: Ed. Univali, 2003.

TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever perspectivas psicológicas e implicações educacionais./ Ana Teberosky; traduzido por Claúdia Schilling- 2ª ed. São Paulo- Ática, 1995. 198 p.