terça-feira, 3 de junho de 2014

Con-tex-tu-a-li-zan-do

Contextualizando:

Há quanto tempo não posto, hein?!?!

Mas, voltei - quem  o sabe -, disponibilizando aqui no MEU blog os artigos da minha graduação em Letras (2003) e das pós-graduações em: Orientação Escolar (2007) e Psicodedagogia (2007).

Postei na íntegra e da forma como entreguei para os professores da banca.

Penso que o conhecimento deve ser compartilhado e não somente escrito para algumas pessoas.

Demorei para postar, mas nunca é tarde!

Boa leitura!

Elo.


O conceito de texto escrito







O CONCEITO DE TEXTO ESCRITO NA VISÃO DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Eloiza Pinheiro¹
Osmar de Souza, Dr²


Resumo: O artigo resulta de uma pesquisa realizada em escola pública, no segundo semestre de 2003, na região de Itajaí (SC). Envolveu 12 alunos do ensino fundamental, oitava série. Formularam-se duas perguntas: o que significava texto para o aluno e o que significava escrever na escola. Partiu-se de uma concepção de que o texto escrito manifesta sempre um significado, por mais simples que seja. Outra percepção teórica vem de que escrever produz conhecimento, ou seja, os conhecimentos prévios podem ser importantes e decisivos, mas o simples fato de alguém escrever o expõe ao diálogo com o outro. Isso cria um embate cujo resultado é um olhar a própria textualidade reflexivamente. O aluno, orientado por uma cultura de sala de aula repetitiva, não consegue nem formular um sentido de texto para ele e nem vê sentido em escrever na escola.

Palavras-claves: Texto; conceito; alunos; ensino fundamental.


Resumen: El artículo resulta de una investigación realizada en escuela pública, en el segundo semestre de 2003, en la región de Itajaí (SC). Envolvió 12 alumnos de la enseñanza fundamental, octava serie. Se formularan dos preguntas: lo que significa texto para el alumno y lo que significa escribir en la escuela. Partimos de una concepción de que el texto escrito manifesta siempre un significado, por más simples que sea. Otra percepción teórica viene de que escribir produce conocimientos, o sea, los conocimientos prévios pueden ser importantes y decisivos, pero el simple acto de alguién escribir lo expone al diálogo con el otro. Eso crea un choque cujo resultado es mirar la própria textualidad. El resultado de la investigación está dirigida nun sentido diferente. El alumno, orientado por una cultura de clase de enseñanza repetitiva, no consigue ni formular un sentido de texto para él, y, ni encontrar un sentido en escribir en la escuela.

Palabras-llaves: Texto; concepto; alumnos; enseñanza fundamental.

___________________________
¹ Acadêmica do Curso de Letras da Universidade do Vale do Itajaí.
² Orientador e Professor do Curso de Letras da Universidade do Vale do Itajaí.


Introdução



A composição de um texto é um processo amplo. Para sua produção, é necessário não somente a competência, mas também o desempenho do aluno na sala de aula. Partindo dos conceitos de Noam Chomsky, é possível entender que competência todos têm, já o desempenho parte do uso efetivo da língua. (Cassany, 1999) O escritor competente é aquele que incorpora o processo de escrita e o desenvolve de maneira contínua e o “não competente”, no deslocamento a ser descrito nesta pesquisa, é aquele que não descobriu ainda a sua textualidade.

Escrever não é pôr três letras e signos num papel branco, mas elaborar um significado global sobre um tema e torná-lo compreensível para uma audiência. Este é um primeiro problema conceitual e procedimental: para quem o aluno escreve na escola? Algumas respostas na pesquisa de que resulta este artigo apontam reflexões. Para se obter uma melhor qualidade do processo de escrever, é necessário que haja consciência da audiência, (quem vai ser o leitor de fato).

Ao chegar na escola, nas fases iniciais, a criança já descreve coisas, pessoas, contos, fatos, opina sobre acontecimentos do seu cotidiano como: um jogo de futebol, sobre a novela das oito, entre outros... Ou seja, o aluno possui implicitamente um conceito de texto, oral, com algumas características. Um dos desafios da escola seria transformar as experiências orais em expressões escritas. Isso significa que o aluno passa de expressões mais espontâneas a outras mais elaboradas, estratégicas. Uma delas é o texto escrito, mas este movimento ainda não é percebido nesta pesquisa.

Há pouco tempo o texto na escola era pretexto para a correção gramatical. Hoje se altera esta percepção para o texto como expressão de conhecimentos vividos pelos alunos. A hipótese que orienta esta nova perspectiva é a de que o aluno, tendo contato com vários tipos de textos reais, histórias, notícias, bulas, receitas, cartas, entre outros, aos poucos incorpore também os aspectos gramaticais. Mas, como diz um aluno o escrever pode ser apenas “perda de tempo”.

A pesquisa foi desenvolvida numa escola pública, com doze alunos do ensino fundamental em nível de oitava série. O instrumento foi uma entrevista escrita, em que se perguntou aos alunos: “O que é um texto para você?” e “O que significa para você escrever textos na escola?”.

Os objetivos específicos desta pesquisa foram: identificar conceitos que se aproximam de construção de significados em oposição aos que se aproximam de tarefa escola e relacionar os conceitos dos alunos com a literatura pesquisada. Como objetivo geral visou-se compreender a concepção de texto em alunos de oitava série de uma escola pública.

Assim, este artigo sumariza a pesquisa desenvolvida e discute as implicações de manifestações feitas pelos alunos, relativamente ao processo pedagógico de escrever.




REVISÃO DA LITERATURA



Neste momento, faremos uma breve sumarização sobre texto e o que significa escrever na escola. Temos consciência de que um conceito demora para ser percebido, vivenciado, manifestado.  Talvez muitos sujeitos passaram pela escola, em todos os níveis, e ainda não tenham clareza do que seja um texto. Consequentemente, o escrever torna-se complexo, não só pela sua própria natureza, mas pela não vivência do texto como instância de produção de conhecimento. (Souza, 2003)

Para Silva (1999, p.18) Texto significa “tecido, entrelaçamento”. Por isso, podemos dizer que o texto é o resultado da ação de tecer, de entrelaçar partes a fim de formar um todo. É uma rede de unidades entrelaçadas, ou seja, um conjunto de frases e orações que se unem para dar sentido às idéias que se deseja expressar. Nessa perspectiva, texto é muito mais que justaposição de frases e palavras.

É curioso, como veremos adiante nas expressões dos alunos, como o conceito até aparece na expressão na expressão do aluno, possivelmente parafraseado de algum professor. Mas, não se manifesta em sua própria experiência. É um conceito distante do aluno.

Ainda de acordo com o mesmo autor, toda construção cultural que tem significado constituído a partir de um sistema de códigos e convenções pode ser chamada de “texto”; uma carta, uma notícia de jornal, um bilhete de cinema, são exemplos de textos. O autor está se referindo ao que hoje se chama “gêneros textuais”. (Meurer, 2000)

“O texto já se revela “finito”, por uma extensão física, visual e oral, conforme seja escrito ou oral. Enquanto materialidade física o texto se coloca como “produto”, com a sua “legibilidade”, “audiabilidade”, instaurada”. (Orlandi, 1988, citada por Souza, 2000, p.2). Como discurso, o texto se inscreve na interpretabilidade e compreensibilidade. (cf Orlandi, op. cit.). Em outros termos, quem escreve um texto tenta determinados “feitos de sentido”. (SOUZA, 2000, p. 2). O que a pesquisa mostra é a ausência de sentidos.

Para Clarice Nunes, citada por Bianchetti, (1997, p. 96), “escrever [...] é mais do que realizar uma exposição de achados. É o efeito de uma transformação pela qual passamos, enquanto sujeitos que nos assumimos e assumimos os riscos pressentidos na escrita”. “Escrever é o ato que, aparentemente, não pode ser realizado sem significar”. “[...] antes de ser o exercício de uma competência, o ato de escrever é uma maneira de ocupar o sensível e de dar sentido a essa ocupação”. (RANCIÉRE, 1995, p.07) Entra em discussão aqui o aspecto mais político, social do escrever, que parece distante, pelo menos na expressão dos alunos aqui pesquisados.



Conforme Bianchetti, (1997, p. 97) “[...] na escrita, o produtor do texto deve fazer uso de planejamento, de produção e de uma série complexa de relações lógicas que articulam os elementos do seu discurso. E deve, ainda, levar em conta que seu texto deverá ser entendido por um leitor”. Esse entendimento é chamado por Cassany, (1999) de audiência.

De acordo com Cassany, (1999, p. 28) “quando falamos ou escrevemos, (e também quando escutamos ou lemos), construímos textos e, para fazê-lo, precisamos dominar muitas habilidades: discriminar as informações relevantes das irrelevantes, estruturá-las numa ordem cronológica e compreensível, escolher as palavras adequadas, ligar as frases em si e construir o parágrafo”. “[...] o que pode corrigir o mal da escrita é uma outra escrita”. (RANCIÉRE, 1995, p. 10)

Atravessando esse conjunto de predicados de um texto, aparece a noção de intersubjetividade que caracteriza qualquer texto. Um texto só se realiza se houver o leitor, isso implica um diálogo entre sujeitos, temporal e espacialmente deslocados. Esse lado mais dialógico do escrever na escola parece estranho no falar dos alunos.

A habilidade de escrever conforme Souza e Bohn, (2000) não é desenvolvida espontaneamente pelo cérebro. Postula-se que exige esforço e motivação pessoal e ambiente instrucional próprio para constituir-se.

Aprender a escrever para Coll e Teberosky, (2000, p. 165) é um processo de fases sucessivas que inclui atividades de leitura, de pesquisa e anotações do que se leu, ouviu ou pensou, assim como a realização de esquemas ou mapas conceituais para organizar as idéias, a redação de várias versões e sua revisão até chegar a uma versão definitiva. No processo de redação de textos, essas fases nem sempre seguem uma ordem rígida e, às vezes, algumas podem até mesmo ser suprimidas. Ao escrever a partir das informações que já tínhamos sobre o tema, essas anotações podem ser modificadas dando lugar a uma nova organização das idéias, exigindo outra pesquisa.


Todo texto se atualiza numa língua, entendida desde Saussure como um sistema de signos específicos, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres a significar o mundo e a sociedade. (SOUZA, 2000)

Poderíamos nos perguntar, como por exemplo Teberosky o faz, apoiada em Coulmas: o que poderia existir num mundo sem escrita? Nenhum dos traços mais cotidianos da nossa sociedade moderna poderia passar por esse teste: teríamos de imaginar um mundo sem livros, sem livrarias nem bibliotecas, sem anúncios, sem receitas médicas, sem educação sistemática, sem dicionários ou enciclopédias, sem instruções de rádios, de computadores, um tipo de religião diferente, um tipo diferente de leis, de literatura, sem ciência e sem lingüística. ( TEBEROSKY, 1995, p. 55)

Segundo Silva, (1999, p. 22) um pensamento que traduz uma grande verdade é: “os alunos aprendem a escrever escrevendo”. “[...] pois, escrever é um processo de construção e reconstrução de sentidos em relação ao que se v}e, ao que se ouve, sente e pensa. Por isso, é muito difícil para o aluno escrever sobre um assunto sobre o qual ele não fez nenhuma leitura. Portanto, quanto maiores experiências de leitura a criança tiver, mais fácil será o processo de criação textual”. ( SILVA, 1999, p; 45)

De acordo com Cassany, (1999, p. 80) só se pode adquirir a escrita através da leitura. Da mesma forma que adquirimos a fala escutando e compreendendo textos escritos. Se a leitura é suficiente, a aprendizagem adquire automaticamente todas as regras gramaticais e textuais de que se necessita para escrever. Pois, a resposta de Smith é muito simples: “aprende dos todos já escritos por outros escritores”.

Mas, para que os alunos escrevam, eles precisam estar motivados. É necessário que o professor esteja atento a todos os elementos que possam estar interferindo no processo de produção de textos, como desde o espaço físico, os recursos materiais utilizados até a predisposição do aluno para a realização da tarefa. (SILVA, 1999, p. 46)

Vários autores citados por Teberosky chamam a escrita de “a maior invenção manual intelectual criada pelo homem”. Um deles, Goody, a chama de “a tecnologia do intelecto”. [...] Também existe um consenso na idéia de que a escrita é um instrumento. (TEBEROSKY, 1995, P. 55)

[...] A escrita é um objeto social cuja presença e funções ultrapassam o marco escolar e porque a criança é um sujeito ativo e construtivo do seu próprio conhecimento. (TEBEROSKKY, 1995, p. 65)

Apesar dessas percepções teóricas há muito presentes nos debates acadêmicos, ocorre ainda uma cultura de sala de aula, no que respeita à textualidade bastante estranha, como veremos a seguir.




O QUE DIZEM OS ALUNOS




Lembramos ao leitor que duas questões foram feitas: “Qual o significado de um texto para você?”, “O significa para você escrever na escola?” Sobre a primeira pergunta, maioria dos alunos definem o que é um texto,
Um texto não é nada mais do que um amontoado de palavras que foram escritas em harmonia, formando um sentido próprio, por isso podemos afirmar que o texto é a forma escrita de se expor os pensamentos e os sentimentos. (CALAFATI, Jocimar) Se olharmos para esta resposta, ela é uma paráfrase de autores como Silva, citado anteriormente. De onde vem esta formulação? Provavelmente de um professor.

E a minoria respondeu que escrevem para a professora,


[...] quando a professora pede para elaborar um texto, uma redação ou uma poesia temos que se inspirar no assunto. (OLIVEIRA, Edilcéia) O atributo de inspiração vem rebatido por Cassany (1999), embora seja de circulação entre os alunos. Estabelece-se como uma crença, cujas explicações escapam ao controle do professor. Cassany prefere o entendimento de que a pessoa assuma a textualidade, o que escapa ao controle temporal que muitas vezes marca o escrever na escola. Solicita-se um texto e fixa-se o tempo de realização. E nesse processo onde fica a re-escrita?
Escrever nesta última proposição vem muito como resposta a um comando estabelecido. O que significa mesmo para este aluno “se inspirar no assunto?”  Por que não se orientar no próprio texto? O que o texto mesmo disse? O leito entenderia?


Sobre a segunda pergunta, as respostas apontam para: repetir o que a professora explica (a explicação do professor é vista como verdade),
[...] porque o texto escolar ensina a matéria explicada pelo professor e quando ele escreve no quadro é a mais boa vontade de lhe explicar uma certa matéria que você está com dificuldade. ( CALAFATI, Jocimar) Esta última afirmação remete a uma certa ambigüidade, porque tanto diz do ato de escrever como do ato de ensinar. Essa fala corrobora com o pensamento de Orlandi (1988) sobre o discurso pedagógico, como circular, ou seja, essencialmente repetitivo.

Escrever na escola significa produzir conhecimentos, preencher espaços de tempo,
Super bom escrever textos na escola uma que distrai um pouco a cabeça, outra é aprender mais e passar o tempo escrevendo. (OLIVEIRA, Lays) Depoimento preocupante, se pensarmos no que significa um tempo de ações dentro e fora da escola. Como as pessoas ocupam o seu tempo? Reservariam tempo para escrever também fora da escola, ou este preenchimento é algo já institucionalizado?

E um aluno que ainda não se descobriu com a textualidade declara a sua angústia,

Texto para mim não significa nada, só faz perder tempo (GIOSELE, Everton) Este aluno manifesta o seu “não sentido”. E quantos na escola revelariam semelhante expressão?

Embora se possa problematizar e complexificar essas respostas, talvez elas cheguem próximo do que Coracini (1995) tem chamado de atividades institucionalizadas. Faz-se porque já se fez, mas não se pergunta por quê? Para quem? Em geral, aponta-se para um escrever sem audiência.




Considerações Finais



Lembramos que o primeiro objetivo específico da pesquisa era identificar conceitos de textos que se aproximassem da construção de significados. Mas, as falas apontam para o oposto, escrever é muito mais atividade escolar, que parece encerrar-se na própria escola.

Sobre o segundo objetivo específico, ou seja, relacionar os conceitos com a literatura hoje disponível, os alunos até constroem um conceito, parafraseando professores, mas ficam distante desses conceitos relativamente às suas próprias vivências.

As falas dão conta do objetivo geral, qual seja compreender a concepção de texto, no caso, muito mais voltada à escola do que para a significação de suas práticas sociais.

O saber expor os pensamentos em palavras escritas é o grande dilema ainda para os alunos. Quando se fala em texto para o aluno, ele já pensa em redações chatas, com assuntos repetitivos e sem significado algum para o seu crescimento pessoal e intelectual.

Há uma distância entre o que a vida social exige, em termos de textualidade e o que o aluno incorpora durante a sua vida escolar.

Para os alunos pesquisados, escrever na escola não é mais do que preencher espaços e o tempo durante as aulas. Poderíamos deduzir, então, que o texto não é um formador de significado para o aluno e sim palavras e mais palavras escritas para ganhar nota e passar tempo com essa atividade.

O texto pouco significa para o aluno. Uma nova pesquisa poderá questionar o que significa para o aluno o texto fora da escola.



Referências Bibliográficas


BIANCHETTI, Lucídio. Trama e texto: Leitura e crítica escrita criativa - Gráfica Edelbra; Volume II. Passo Fundo – Rio Grande do Sul, 1997. 222 p.

CASSANY, Daniel. Descrever o Escrever: como se aprende a escrever/ Daniel Cassany; traduzido por Osmar de Souza. – Itajaí: Univali, 1999. 220 p.

COLL, César. Aprendendo português: conteúdos essenciais para o ensino fundamental de 1ª a 4ª série. César Coll, Ana Teberosky. Ática, São Paulo. 2000.

CORACINI, Maria José. Legitimação do livro didático. Campinas: Pontes 1995.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. São Paulo: Ática, 1988.

RANCIÉRE, Jacques. Políticas da escrita/ Jacques Ranciére; tradução de Raquel Ramalhete... [et al] – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. P.256- Coleção TRANS.

SILVA, Antônio de Siqueira e. Tecendo textos: ensino da língua portuguesa através de projetos/ A. S. Silva, R. Bertolin, Tânia A. Oliveira. 1ed. São Paulo: IBEP, 1999 – Coleção Novo Tempo.

SOUZA, Osmar de. BOHN, Hilário I. A auto análise integrante do Mundo Textual. 2000.

SOUZA, Osmar de. Gêneros textuais e competências educativas. 2000. (Mimeo)

SOUZA, Osmar de. Textualização acadêmica: mitos e polifonias. Itajaí: Ed. Univali, 2003.

TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever perspectivas psicológicas e implicações educacionais./ Ana Teberosky; traduzido por Claúdia Schilling- 2ª ed. São Paulo- Ática, 1995. 198 p.

O papel do Orientador Educacional




O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE NAVEGANTES[1]

Eloiza Pinheiro[2]
Cristina Kuroski[3]

RESUMO: O presente artigo analisa a partir da realidade do município de Navegantes, o papel dos Orientadores Educacionais – sua prática – em confronto com os fundamentos teóricos e a falta de identidade deste profissional – na execução de tarefas sem serem as das suas atribuições – e verificar se isso realmente prejudica no desempenho de sua “verdadeira” função. Esta análise fundamenta-se em dados coletados do questionário aplicado ao universo de profissionais desta área nas escolas locais. Com este instrumento, certifica-se que há pontos na sua maioria positivos, que as atribuições determinadas em lei estão presentes no cotidiano da escola, mas, que ainda vivenciam-se nas unidades escolares aspectos que deveriam ser repensados dentro de cada equipe, para então, serem solucionados da melhor maneira possível.

PALAVRAS CHAVES: Orientador Educacional; Atribuições; Identidade Profissional.

RESUMEN: Este artículo analiza desde la realidad de la municipalidad de Navegantes, el papel de los orientadores educacionales – en la práctica de su confrontación con los fundamentos teóricos y de la falta de identidad de este profesional en la ejecución de las tareas sin que sean de sus atribuiciones – y comprobar si eso realmente prejudica el desempeño de su "verdadera" función. Este análisis se basa en datos recogidos en el cuestionario aplicado al universo de los profesionales de esta área en las escuelas locales. Con este instrumento, se asegura que hay puntos en su mayoria positivos, que las tareas especificadas en la ley están presentes en la vida cotidiana de la escuela, pero que todavía se viven en las unidades escolares, aspectos que deben ser reconsiderados dentro de cada equipo, para que, se resuelvan de la mejor manera posible.

PALABRAS CLAVES: Orientadores Educacionales; Atribuiciones; Identidad Profesional.


[1] Artigo científico referente ao trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão Escolar, Supervisão, Orientação e Interdisciplinaridade na Educação Básica.
[2] Orientanda.
[3] Professora Orientadora.


1 INTRODUÇÃO

Considerando que a identidade profissional delineia-se a partir da coerência entre os valores pessoais e as expectativas sociais, questiona-se a identidade atual dos orientadores educacionais, pois se observa na prática que, este profissional está, em muitas situações, desacreditado, por submeter-se a atribuições não pertinentes à sua função, gerando assim, conflitos de identidade – mesmo tendo suas atribuições determinadas em documentos legais (Decreto nº. 7.2846/73), que direciona a sua prática, bem como define as condições para o exercício da profissão.
O presente artigo analisa a partir da realidade do município de Navegantes, as questões relacionadas à identidade e valorização do orientador educacional.
Esta análise fundamenta-se em dados coletados do questionário aplicado ao universo de profissionais desta área nas escolas locais.
Para analisar o papel dos Orientadores Educacionais – sua prática – em confronto com os fundamentos teóricos e a falta de identidade deste profissional – na execução de tarefas sem serem as das suas atribuições – e verificar se isso realmente prejudica no desempenho de sua “verdadeira” função foi desenvolvida, em parceria com a Secretaria de Educação do Município de Navegantes, Santa Catarina, uma pesquisa tendo como instrumento uma entrevista escrita, em que se perguntou aos Orientadores Educacionais da Rede Municipal de Navegantes questões relacionadas às suas atribuições e ao dia-a-dia da escola, focando como principal questionamento: Qual o papel do Orientador Educacional no campo escolar?
Assim, este artigo sumariza a pesquisa desenvolvida e discute as implicações de manifestações feitas pelos orientadores, comparando-as com as suas verdadeiras atribuições.

2 OS DESDOBRAMENTOS DA FUNÇÃO DO ORIENTADOR EDUCACIONAL

É preciso que, segundo Folberg (1986, p.24) o orientador educacional se posicione quanto à ética profissional debatendo, questões práticas, capazes de suscitar-lhe operações de pensamento que o desafiam e levam à reflexão e à pesquisa em busca de uma autêntica identidade, apoiada em valores significativos.
Com isso, é necessário que o orientador educacional redefina sua metodologia de atuação, sendo um desafio que se impõe como condição para “conquistar” um espaço ainda indefinido na prática.
Para constituir-se em agente de equipe, é fundamental que o orientador educacional promova o diálogo entre os membros da escola, pois ser membro de equipe, não se trata de fazer comentário com o outro a respeito de sua atuação ou à daquele. E sim, refletir quanto à essência do trabalho pedagógico – o processo de ensino e aprendizagem.
O orientador educacional para somar à equipe educacional, precisa conhecer o papel de cada um dos integrantes do contexto escolar, bem como, esclarecer, quanto ao fundamento do seu papel nesse cenário.
A Orientação Educacional, no contexto atual, busca maior aproximação com o projeto pedagógico da escola e pretende contribuir, satisfatoriamente, não mais para atender alunos “problemas”, mas para discutir, junto com todos os alunos e professores os problemas que vivenciamos e as soluções possíveis de serem atingidas. (GRINSPUN, 1996, p.143)
Assim, cabe ao Orientador Educacional contribuir para que o processo ensino- aprendizagem ocorra de forma suave e espontânea, pois o processo de construção do conhecimento é complexo e cheio de desafios. As crianças que deste processo fazem parte, não tem o mesmo perfil, portanto, são seres que trazem consigo uma diversificada e única bagagem cultural, social e afetiva construída ao longo de sua vida e esta bagagem deve ser muito bem aproveitada no processo de ensino-aprendizagem.
Como afirma Mirian Grinspun (1996, p.14) a Orientação Educacional, por certo, procurará compreender e ajudar o aluno inserido no seu próprio contexto, com sua cultura e seus próprios valores, pois que ele é o centro do processo educacional, e sujeito principal do campo de trabalho da Orientação; portanto, o aluno é o sujeito da educação, e o sujeito é o objeto da Orientação – refere-se assim, ao papel do Orientador Educacional em orientar, guiar, conduzir o indivíduo.
E no trabalho com o aluno, o resultado não é imediato como demonstra as palavras do poema “Conselho”: “Não colhe agora o botão que, somente amanhã, promete desabrochar. Dá seiva à roseira que, por si só, a rosa se abrirá num sorriso a te oferecer suas pétalas... seu perfume... dócil e integralmente.”(BOTELHO,apud Miranda, 1983,p.22)
 Para um desempenho eficiente e de abrangência de suas funções, o Orientador Educacional necessita ainda: conhecer e manter contato com as famílias dos alunos; colaborar para o bom aproveitamento escolar dos discentes; integrar-se com a equipe técnica e docente para intervir adequadamente em relação aos aspectos éticos, cívicos e religiosos bem como nas áreas do desenvolvimento físico, emocional e vocacional dos educandos. E ser capaz de ouvir até o que o aluno não diz, quando o silêncio é uma conversa e a companhia é o conforto no meio do nada como observamos na descrição destas palavras:

“Quando me sento junto de alguém, sei que isso é alguma coisa, mesmo que eu nada tenha de valioso a dizer. Não necessito da evidência constante de que estou sendo efetivo e útil. Posso apenas me sentar e oferecer minha companhia. Já vivi situações em que minha dor não podia ser compreendida, mas em que me sentia confortável apenas estando com alguém realmente disponível para mim, alguém que nada exigia, alguém que não podia compreender meu coração dilacerado, mas que era uma companhia – como um lugar aonde se vai, quando se está fraco e só –  uma presença humana, a civilização depois do deserto. É muito quando eu apenas me sento junto de alguém. Mas acredito que ajuda dizer que pretendo sentar em silêncio. Ajuda a fazer do nada alguma coisa.”(GENDLIN,1974,apud Miranda, 1983; p.62)

Porém, sabe-se que as dificuldades são muitas: descrédito deles próprios em relação ao seu trabalho por falta de apoio, tendo a família que praticamente não participa, e ainda, alguns professores que não aceitam as ações do Orientador Educacional. Destinada por fim, a este profissional a mera função – em algumas realidades – de apenas solucionar os casos problemáticos, não resolvidos em sala de aula, tratando-se, apenas de ações terapêuticas.

3 SURGIMENTO E AS ATRIBUIÇÕES DO ORIENTADOR EDUCACIONAL

Analisando as origens da Orientação Educacional, ela praticamente surgiu no início do século XX, nos Estados Unidos, e com o fim primeiro de orientar os estudantes para uma adequada escolha de trabalho, com intenções, pois, de orientação profissional. Mas o contato direto com o educando foi revelando as suas inseguranças e dificuldades, ampliando-se, então, a ação para uma assistência mais ampla e completa, a fim de melhor orientá-lo para a vida pessoal e social.
O sistema escolar brasileiro não ficou insensível ao movimento da Orientação Educacional, que passara a sensibilizar, praticamente, os sistemas da maioria dos países.
Sendo assim, a primeira tentativa de Orientação Educacional no Brasil deve-se ao notável educador, Lourenço Filho, quando diretor do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, criando o “Serviço de Orientação Profissional e Educacional”, em 1931. O referido “Serviço” foi dirigido pela psicóloga Noemy Silveira Rudolfer. Este “Serviço”, interrompido em 1932 e reiniciado no mesmo ano por Fernando de Azevedo, foi definitivamente extinto em 1935, tendo como objetivo maior guiar o indivíduo na escolha de seu lugar social pela profissão.
A segunda tentativa de implantação da Orientação Educacional deve-se a duas não menos ilustres educadoras, Aracy Muniz Freire e Maria Junqueira Schmidt que, em 1934, implantaram um serviço dessa natureza na Escola de Comércio “Amaro Cavalcanti”, da Prefeitura do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, tendo como conseqüência inúmeras atividades nesta área.
A expressão “Orientação Educacional”, empregada para designar um serviço auxiliar da escola, aparece pela primeira vez, na Legislação Federal, no Decreto-lei n.º 4.073, de 30-1-42 (Lei Orgânica do Ensino Industrial) vindo, a seguir, o de n.º 4.424, de 9-4-42 ( Lei Orgânica do Ensino Secundário) e, depois, o de n.º 6.141, de 28-12-43.
A formulação mais precisa, no entanto, aparece na Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei n.º 4.424, de 9-4-42), quando diz:
“Art. 80. Far-se-á, nos estabelecimentos de ensino secundário, Orientação Educacional.
Art. 81. É função da Orientação Educacional, mediante a necessária observação, cooperar, no sentido de que cada aluno se encaminhe convenientemente nos estilos e na escolha de sua profissão, ministrando-lhe esclarecimentos e conselhos, sempre em entendimento com sua família.
Art. 82. Cabe ainda à Orientação Educacional cooperar com os professores no sentido da boa execução, por parte dos alunos, dos trabalhos escolares, buscar imprimir segurança e atividade aos trabalhos complementares e velar para que o estudo, a recreação e o descanso dos alunos decorram em condições de maior conveniência pedagógica.”
A Lei n.º 5.564, de 21-12-68, diz a respeito:
“Art. 1. A Orientação Educacional se destina a assistir o educando individualmente ou em grupo, no âmbito das escolas e sistemas escolares de nível médio e primário, visando ao desenvolvimento integral e harmonioso de sua personalidade, ordenando e integrando os elementos que exercem influência em sua formação e preparação para o exercício das opções básicas.”
E, finalmente, a Lei n.º 5.692, de 11-8-71, consagra a Orientação Educacional, conforme se desprende das palavras abaixo:
“Art. 10. Será instituída, obrigatoriamente, a Orientação Educacional, incluindo aconselhamento vocacional, em cooperação com professores, família e comunidade.”
A regulamentação da profissão de Orientador Educacional veio, no entanto, com o Decreto n.º 72.846, de 26-9-73 onde regulamenta a Lei n.º 5.564, de 21-12-68, que provê sobre o exercício da profissão de Orientador Educacional. Nesta lei encontramos nos artigos 1º e 8º a descrição da função e das atribuições necessárias à Orientação Educacional.
 “Art. 1º - Constitui o objeto da Orientação Educacional a assistência ao educando, individualmente ou em grupo, no âmbito do ensino de 1º e 2º graus, visando ao desenvolvimento integral e harmonioso de sua personalidade, ordenando e integrando os elementos que exercem influência em sua formação e preparando-o para o exercício das opções básicas.
Art. 8º - São atribuições privativas do Orientador Educacional:
a)  Planejar e coordenar a implantação e funcionamento do Serviço de Orientação Educacional em nível de: 1- Escola; 2- Comunidade.
b)  Planejar e coordenar a implantação e funcionamento do Serviço de Orientação Educacional dos órgãos do Serviço Federal, Estadual, Municipal e Autárquico; das Sociedades de Economia Mista, Empresa Estatais, Paraestatais e Privadas.
c)  Coordenar a orientação vocacional do educando, incorporando-o ao processo educativo global.
d)  Coordenar o processo de sondagem de interesses, aptidões e habilidades do educando.
e)Coordenar o processo de informação educacional e profissional com vistas à orientação vocacional.
f) Sistematizar o processo de intercâmbio das informações necessárias ao conhecimento global do educando.
g)  Sistematizar o processo de acompanhamento dos alunos, encaminhando a outros especialistas aqueles que exigirem assistência especial.
h)  Coordenar o acompanhamento pós-escolar.
i) Ministrar disciplinas de Teoria e Prática da Orientação Educacional, satisfeitas as exigências da legislação específica do ensino.
j)  Supervisionar estágios na área da Orientação Educacional.
k)  Emitir pareceres sobre matéria concernente à Orientação Educacional.
Art. 9º - Competem, ainda, ao Orientador Educacional as seguintes atribuições:
a)  Participar no processo de identificação das características básicas da comunidade.
b) Participar no processo de caracterização da clientela escolar.
c) Participar no processo de elaboração do currículo pleno da escola.
d) Participar na composição, caracterização e acompanhamento de turmas e grupos.
e)  Participar do processo de avaliação e recuperação dos alunos.
f)   Participar do processo de encaminhamento e acompanhamento dos alunos estagiários.
g)  Participar no processo de integração escola-família-comunidade.
h)  Realizar estudos e pesquisas na área da Orientação Educacional.”
Isso não significa que o Orientador Educacional deva cumprir todas as atribuições mencionadas no decreto, obrigatoriamente, o tempo todo, quaisquer que sejam as circunstâncias. Conhecendo o conteúdo da lei que regulamentou sua profissão, dentro dos limites impostos pela mesma e de acordo com a realidade na qual esteja atuando, o Orientador Educacional poderá selecionar e hierarquizar o que será realizado a cada ano.
Mas, observando a necessidade e a importância que a Orientação Educacional assume nas escolas brasileiras, é preciso pensar no preparo adequado dos recursos humanos destinados a essa área, preparo esse que deve incluir, necessariamente, o domínio dos fundamentos teóricos da ação e o conhecimento da parte prática correspondente ao exercício das atividades profissionais do Orientador Educacional.

4 FALAS QUE CONFIRMAM A PRÁTICA - O QUE DIZEM AS ORIENTADORAS DO MUNICÍPIO DE NAVEGANTES.
Oração da Serenidade
“Deus me dê a serenidade de aceitar as coisas que não posso mudar,
a coragem de mudar as coisas que posso mudar
e a sabedoria para reconhecer a diferença.”
(Oração dos Alcoólatras Anônimos)

Inicialmente, justifico o termo Orientador – no título – no feminino por abranger somente este gênero nos questionários respondidos. Em seguida, como já comentado anteriormente, realizou-se uma pesquisa ressaltando-se a falta de sensibilidade de alguns destes profissionais que não entregaram seus questionários – significando esta ausência de informações, que os próprios profissionais da área, não valorizam e nem lutam pela importância da função –, deixando assim, de enriquecer ainda mais este artigo com a contribuição de suas “falas”.
Iniciando a análise com a pergunta central desta pesquisa: Qual o papel do Orientador Educacional no campo escolar?, observa-se que as orientadoras conhecem as atribuições constantes no Artigo 9º da lei nº. 5. 565, de 21-12-1968,
Articular o currículo e a Proposta Pedagógica da Unidade Escolar e dos diferentes segmentos que compõem e fazem parte do Ensino Fundamental.”;
“O papel do Orientador Educacional é articular escola-família-comunidade e possibilitar o outro a ser, crescer, vivenciar suas emoções.”;
“É diretamente com aluno, ajudando-os em seu desenvolvimento pessoal, em parceria com os professores para compreender melhor seu comportamento; orientando, ouvindo e dialogando com os pais responsáveis. Cabe a Orientadora procurar ajudar o aluno valorizando a fala deste para o seu desenvolvimento social-escola, família, comunidade.”
Nestas respostas encontramos claramente, o saber necessário e obrigatório para desempenhar com competência sua função na escola.
Quando interrogadas: Se a escola possui outros especialistas, como vocês delimitam o campo de ação de cada profissional, considerando-se haver uma inter-relação entre estas funções: Supervisor Escolar; Orientador Educacional?, somente uma orientadora respondeu de forma ampla, mas com uma visão não conclusiva ao que seriam às reais funções de cada um, “Supervisor Escolar - atuar de forma integrada; Orientador Educacional - atuar de forma integrada em diferentes áreas.”
Nas demais respostas têm-se clareza na distinção entre o desempenho de suas atribuições e relações, apresentando-se assim, um ponto muito positivo para as Unidades Escolares na atualidade, “Supervisor Escolar - auxiliando o professor para que a educação aconteça efetivamente; Orientador Educacional- auxiliando o aluno em busca do conhecimento. O.E e S.E. de mãos dadas buscando qualidade na educação.”
E para constatarmos a relação entre os envolvidos no âmbito escolar, as orientadoras responderam sobre: Como é a sua rotina na escola em relação: aos alunos; aos professores; à direção e por fim, à comunidade. Nas palavras delas, percebe-se que tendo uma boa parceria com o professor, tem-se um melhor resultado no trabalho do Orientador Educacional, porém num outro questionamento, duas orientadoras dizem que há professores que não reconhecem o trabalho delas, dificultando e muito todo o processo, inclusive de ensino-aprendizagem e o ponto negativo aqui: quem sai perdendo são os alunos!
Outra pergunta trás a tona um assunto delicado que ocorre muito nas escolas. É comum, na falta de professores o Orientador Educacional assumir a aula ou às aulas. As orientadoras foram questionadas ao que seria viável fazer nesta ausência do professor titular e uma das respostas demonstrou uma realidade triste, mas que muito acontece, “Sempre vou para a sala de aula, apesar de cada um fazer o seu trabalho todos dependem uns dos outros, mas sugeria um professor ocioso, mas a realidade é outra.”
As demais respostas entram no rol do desempenhar seu papel, “O Orientador Educacional necessita de planejamento, sendo assim o mesmo está sempre pronto para atender qualquer sala. Pois o trabalho do Orientador Educacional também é conscientizar e refletir os demais temas transversais e atuais da realidade escolar.”;
“Ter algumas aulas extras já previamente programadas, vídeos, informática...”;
“Organizamos algumas atividades e as monitoras repassam aos alunos na falta de professores.”
Estas afirmações indicam que esta prática pode ter alguns inconvenientes, pois o Orientador Educacional poderá ser considerado como um substituto eventual de professores, o que contribuirá para o estabelecimento de confusões de funções, comprometendo, inclusive, a sua imagem – temos aqui um ponto desfavorável.
Mostrando, agora, mais um ponto positivo, as orientadoras pesquisadas manifestam profundo domínio quando o assunto é indisciplina escolar. Questionadas sobre como auxiliam o professor a resolver os impasses indisciplinares, a resposta foi unânime seguindo o mesmo procedimento, “Geralmente em casos indisciplinares o aluno vem para Orientação onde converso, oriento no que for preciso. Muitas vezes quando o caso é mais sério, usamos as seguintes medidas: 1- Conversar e orientar para melhor relacionamento. 2- Bilhetes comunicando aos pais sobre o fato ocorrido. 3- Chamar os pais na Escola para melhor esclarecimento do ocorrido e pedir que tome alguma medida e vice-versa.”
Sendo que algumas complementam: “Quando extrapolam as normas escolares, os deveres, influenciando assim no direito do outro, recorro às medidas propostas no P.P.P. da Unidade Escolar.”;
...e também o trabalho do Conselho Tutelar, pois já obtive experiências e deu certo.” “Devemos utilizar todos os recursos, o trabalho do Orientador Educacional jamais deve ser isolado.”;
“Desenvolvendo algum tipo de motivação para ganhar confiança dos alunos e melhor resolver estes problemas.”
E diante da interrogação: Que fundamentos você utiliza para a orientação dos estudantes? Todas assinalaram indicando que possuem conhecimentos de psicologia, do Estatuto da Criança e do Adolescente – E.C.A. – e de campanhas de atendimento às crianças e aos pais.
E finalizando a análise do questionário, as orientadoras avaliaram o desempenho da sua função, apontando avanços, sucessos e fragilidades. Quase que como desabafos, estas palavras demonstram bem a realidade vivida por elas nas suas Unidades Escolares:
“Quanto mais tempo melhores avanços e sucessos, e às vezes, não consigo desempenho melhor por causa das dependências da Escola, espaço físico, salas superlotadas”.
“Avanço: O professor vê o Orientador Educacional como seu aliado. Sucesso: O aluno sabe que pode contar com o Orientador Educacional. Fragilidade: Conseguir que todos os alunos tenham “vontade” de estudar.”;
“Fazemos o possível para melhorar o desempenho de nova proposta no ensino-aprendizagem de todas as séries ao qual trabalhamos, nossa maior fragilidade é quanto à situação social de nossas famílias, a falta de interesse dos pais pela vida escolar do filho. Os sucessos são muitos: a volta de um aluno para a escola, o aluno faltoso e desinteressado tornando-se ao final do bimestre aquele que mais progrediu. E acompanhar o aluno em toda sua trajetória escolar e hoje sendo adulto, tendo um bom emprego.”;
“Tudo o que é realizado com planejamento, comprometimento e amor o resultado será o sucesso. Quanto às fragilidades somos seres humanos no qual temos emoções, inclusive erramos, mas é com os erros que crescemos e acertamos.”

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando ao objetivo principal deste artigo que era saber se a ação dos Orientadores Educacionais de Navegantes está realmente relacionada com as atribuições referidas em lei e constatar a identidade deste profissional, foi possível identificar resultados positivos relevantes à compreensão do verdadeiro papel destes profissionais da educação.  A entrevista escrita constituiu-se num importante documento de registro do que se vivencia nas unidades escolares deste município.
Com este instrumento, certifica-se que há pontos na sua maioria positivos, que as atribuições determinadas em lei estão presentes no cotidiano da escola, mas, que ainda vivenciam-se nas unidades escolares aspectos que deveriam ser repensados dentro de cada equipe, para então, serem solucionados da melhor maneira possível; Pois, “quanto mais clara e precisa a definição das metas da profissão, mais objetivo e definido será o desenvolvimento deste profissional.” (FOLBERG, 1986, p.23).
Um dos pontos que mais chama a atenção para a confusão quanto ao papel do orientador, é o fato de substituir o professor na sua ausência. Nesta ação, o orientador desempenha seu papel num horário que o aluno deseja estar em vários lugares da escola: pátio, laboratório, por não ter o professor titular daquela aula e menos desenvolvendo as atividades propostas pelo Orientador.
Por este motivo, a sugestão a dar, é que o orientador planeje com antecedência deixando seu material sempre pronto – principalmente o de apoio – para estas emergências. Pois, trabalhando neste momento com temas importantes e desempenhando seu papel na formação dos alunos, temos aqui um ponto positivo, porque esta ação torna-se muito diferente do que um simples “tapa buraco”; E o ponto negativo é o fato de que esta “ação” dependa das faltas de professores para ser colocada em prática.
Outros aspectos que dificultam muito o trabalho do Orientador e que fica bem claro nas falas são em relação às dificuldades, tanto nas dependências da escola, falta de interesse dos pais em relação aos filhos e, por incrível que pareça, quanto a não aceitação por parte de alguns professores da função de orientação, dificultando a relação de parceria em busca de uma educação de qualidade. E este último ponto é o que mais chamou a atenção, porque professores com esta atitude, só tem a perder, pois na conversa com o orientador o professor pode melhor compreender o comportamento do seu aluno e agir de maneira adequada em relação a ele, ou até, ajudar no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo com sugestões no desenvolvimento de atividades e procurando em parceria, soluções para sanar estes e outros problemas que estejam presentes em sala. É importante que o diálogo, a troca de idéias, a cooperação e o auxílio mútuo sejam constantes e sempre de acordo com os princípios éticos. A escola não deve se transformar em um campo de disputas entre profissionais. O que deve haver, na mesma, são esforços conjuntos para a finalidade comum que é o pleno desenvolvimento do aluno, pois é essencial que a relação seja de qualidade; quando sua capacidade de entendimento aumenta, suas intervenções práticas se tornam mais tranqüilas e seguras.
Finalmente, sugere-se que sejam realizados programas de sensibilização para professores, alunos e pais, no sentido de compreenderem o valor da ação competente, parceira e comprometida do Orientador Educacional em relação ao ensino de qualidade, tão necessário às crianças brasileiras.
Ah, se todos em suas vidas tivessem – na hora em que mais precisássemos –, um alguém que pudesse nos ouvir, ou simplesmente nos fazer companhia; e dependendo da situação, ao final, nos devolver palavras de orientação, consolo e principalmente de amor, entenderíamos, por fim, o verdadeiro valor de um Orientador Educacional!
E...
“Seja paciente com as coisas não-resolvidas
em seu coração...
Tente amar as próprias questões...

Não procure agora as respostas
que não podem ser dadas
pois você não seria capaz
de vivê-las.
E o mais importante,
é viver tudo.

Viva as questões agora.
Talvez você possa, então,
pouco a pouco,
sem mesmo perceber,
Conviver, algum dia distante,
com as respostas.”
(RILKE, 1969, apud Miranda, 1983, p.160)

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOLBERG, Maria N. de alii. Orientação educacional em questão. Maria N. Folberg (org). 2. ed. Porto Alegre: Movimento, 1986.

GRINSPUN, Mirian P. S. Zippin (Org). A prática dos orientadores educacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez;1996.

MIRANDA, Clara Feldman de e Márcio L. de M. Construindo a relação de ajuda. Belo Horizonte: Crescer, 1983.

NERICI, Imídeo Giuseppe – 1915 – Introdução à orientação educacional/ Imídeo Giuseppe Nérici. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1992.